sexta-feira, 14 de junho de 2013

Aquecimento no Judô - necessário e fundamental ou polêmico?

Prof. Alexandre Velí Nunes 

Introdução

          As atividades de aquecimento são utilizadas em todas as atividades esportivas e na dança como
preparatórias ou introdutórias à atividade principal. Embora se discuta na literatura qual a melhor forma para "aquecer" (o termo utilizado na literatura em língua inglesa é "warm up"), parece ser consenso que ativar o organismo com exercícios gerais e/ou específicos antes da atividade principal em situação de treinamento, competição ou lazer é fundamental para um melhor desempenho esportivo e também para evitar lesões (McArdle, 1992; Franchini, 2001). "O aquecimento assegura a passagem do organismo do atleta da tranqüilidade relativa ao estado de trabalho" (Zakharov, 1992, p.238), superando dessa forma a inércia natural do organismo. Entre outros fatores os exercícios de aquecimento alteram: o volume circulante de sangue por minuto, a ventilação pulmonar e o consumo de oxigênio, que somente atingem seu nível máximo cerca de 3-5 min. após o início da atividade (Zakharov, 1992). 

Objetivos e vantagens do aquecimento

          Na linguagem corrente dos atletas aquecer significa apenas evitar lesões, no entanto, participar da competição ou treinamento sem o devido aquecimento pode significar chegar ao final do combate com um resultado inferior ao seu potencial. Uma entrada em calor prévia com o aquecimento integral do corpo a uma temperatura ótima para a realização da atividade principal se justifica principalmente por trazer as seguintes vantagens: 

a) Passa a existir menos perigo de lesões devido ao aumento da elasticidade do aparelho músculo-ligamentar e da mobilidade das articulações; 

b) As reservas energéticas são mobilizadas para a carga que segue; 

c) As reações bioquímicas são aceleradas pela atividade das enzimas para poder ressintetizar mais rapidamente a energia necessária para realizar a carga; 

d) As funções orgânicas são elevadas à um nível mais favorável de forma que o organismo possa adaptar-se mais rapidamente à carga seguinte; 

e) Prepara os processos nervosos para à carga através da repetição de reflexos específicos ao esporte praticado, bem como de ações voluntárias; 

f) Prepara o organismo para ativar o metabolismo aeróbico para retardar o cansaço.

Tipos de aquecimento 

          De acordo com o estabelecido acima o aquecimento pode cumprir diversas funções e portanto deve-se levar em conta: o tipo de atividade principal para a qual estaremos preparando os atletas, o nível dos atletas, seu estágio de preparação, em quanto tempo ele deverá ser submetido aos esforços máximos e ainda características individuais dos atletas como categoria de peso, técnica preferida (Tokui-Waza) etc. Assim um aquecimento antes de uma competição de alto rendimento deve diferir de um aquecimento de treino, bem como uma atividade de aquecimento no início de temporada deve ter intensidade diferente de uma pré competitiva. 
          Pode-se dividir os aquecimentos em: Aquecimento (WUP) para competição, WUP de treino e WUP entre combates (a classificação é nossa). Nesse artigo o enfoque será para o WUP competitivo. Poucos autores se referem a um aquecimento específico para judô, em língua portuguesa encontramos apenas Franchini, 2001 em seu Judô - Desempenho competitivo. Levando em consideração algumas observações feitas por este autor, bem como a escassa bibliografia específica sobre este assunto e ainda, as nossas experiências como treinador e algumas observações em eventos internacionais; sugere-se que um aquecimento siga em linhas gerais os seguintes passos. 

Aquecimento de Competição (Inicial)

1) Mobilização articular e alongamento - todas as articulações devem ser trabalhadas ordenadamente de cima para baixo (braços, cintura escapular, tronco, quadril e pernas e pé - 4 a 5 vezes cada) e a amplitude dos movimentos deve ser gradativa, os alongamentos musculares devem seguir uma ordenação e uma metodologia específica; nesta primeira fase do WUP sugere-se apenas a movimentação das articulações e não exercícios que exijam alongamentos sub-máximos; [Tempo aproximado 1-2 min.] 

Obs: Esta fase é especialmente importante em temperaturas baixas. 

2) Aquecimento orgânico (geral) que deve elevar a freqüência cardíaca (F.C.) a pelo menos 120-130 bat./min (isto vai requerer um controle individual do esforço e pode ser feito com corrida, saltitamentos ou exercícios mistos como por exemplo alternar corrida com ukemi e ainda uchi-komi de sombra - Tandoku-renshuo-) [Tempo aproximando 5-8min.]; 

3) Aumento da temperatura corporal e ativação da via energética anaeróbica lática (AnL)- a intensidade deve aumentar de forma a ativar (exigir) a utilização da fontes de energia AnL, que no judô é predominante no combate (Nunes, 1998; Franchini, 2001). Algumas atividades devem ser propostas com F.C. elevadas próximas de 160 bat/min., são recomendadas atividades específicas de Uchi-komi com variações na intensidade (número de entradas, velocidade e repouso entre as séries). Neste ponto deve-se orientar a atividade de forma que atinja objetivos de preparação das habilidades motoras específicas e individuais, como Uchi-komi do Tokui-waza e em seqüência (Renraku) -parado, em movimento e c/ projeção - após essa fase o atleta já pode executar exercícios de força, velocidade e flexibilidade sub-máximos; [Tempo aproximado 4-6 min.] 

4) Ativação da via energética anaeróbica alática através de atividades de explosão de até 6-8 segundos e com intensidade máxima (Uchi-komi de velocidade e ou exercícios mistos de tachi-waza e ne-waza), nesta fase deve-se observar um repouso ativo maior para evitar a fadiga (Beaton 1998, apud Franchini, 2001); [Tempo aproximado 2-3 min.]



5) Ainda quanto as habilidades motoras parece ser importante que sejam executadas algumas habilidades no solo (Katame-komi, viradas e passagens de guarda), disputa de pegada e ações de defesa de forma a ativar os processos nervosos para estes movimentos específicos. [Tempo aproximado 2-3 min.] 

6) Finalmente o atleta deve estar preparado psicologicamente para a luta e este fator deve ser levado em conta durante o aquecimento, o que quer dizer que deve-se saber a ordem dos combates e o atleta que luta em primeiro lugar já entra em preparação para o combate, nesse caso o atletas deve antecipar (mentalizar) os seus primeiros movimentos na área de combate levando em consideração inclusive a adaptação de seu jogo com o do adversário -preparação tática.[Tempo aproximado 1-2 min]

7) O aquecimento deve encerrar com uma atividade de relaxamento, nos casos em que o atleta ainda deva esperar algum tempo antes de seu próximo combate ou de ativação individual e massagem quando for participar do combate nos próximos minutos (Zakharov, 1992). [Tempo aproximado 2-3 min.]

          Os resultados de Waldemar Sikorsky e colaboradores (pesquisadores poloneses) indicam que em média em um combate os períodos de ataque não são superiores a 30s. de atividade para 10s. de intervalo. As atividades propostas no aquecimento devem necessariamente incluir as ações que o atleta utiliza predominantemente, Tokui-waza, renraku-waza e também as atividades de ne-waza, pois somente dessa forma atingiremos o objetivo de preparar os processos nervosos para a carga específica - com exercícios específicos Uchi-komi - Nague -komi - kumikata - e Ne-waza pode-se atingir esse objetivo. 

Padronização de aquecimento 

          A padronização e monitorização do aquecimento traz diversas vantagens para o treinador e sua equipe. Em primeiro lugar orienta o atleta de forma que assegure que a entrada em calor seja suficiente e ampla com a abrangência necessária conforme o estabelecido no planejamento. Depois de aprendido o aquecimento padrão, e na falta de um preparador físico, este pode ficar ao encargo dos próprios atletas. Seguindo-se as linhas gerais do aquecimento os atletas podem adaptá-los as suas reais necessidades, como Tokui-Waza, peso, condição física atual e o momento real de entrada em combate Indiscutivelmente a entrada em calor pode influir no desempenho dos atletas durante uma competição e os procedimentos adequados "podem auxiliar a não prejudicar o trabalho realizado durante meses" (Franchini, 2001, pág. 215).

          Durante a Olimpíada de Sydney observamos o aquecimento de muitas das equipes que participavam do evento e, de um modo geral os (as) atletas executavam exercícios intensos por cerca de 20 a 40 min., sempre sob a orientação de um dos membros da comissão técnica de seus respectivos países. Ao final do mesmo muitos desses atletas participavam de sessões de massagem ou alongamento ou recebiam instruções verbais com breves informações. Esta também é a recomendação de Zakharov, 1992. A equipe do Brasil em pelo menos uma ocasião chegou ao local de aquecimento (ante-sala do ginásio onde se realizou a competição em Darling Harbour) a cerca de 20 min. antes do início da competição, quando a maior parte dos (as) atletas já estavam encerrando o seu aquecimento. Segundo a declaração de uma das atletas que representou o Brasil naquele evento ela (a atleta) entrou no local de competição um ginásio com mais de 7000 lugares pela primeira vez no momento em que foi chamada para o primeiro combate. Este tipo de procedimento pode ter influenciado decisivamente o seu desempenho no combate já que não só um aquecimento inadequado, mas especialmente a sua preparação psicológica e concentração não receberam a devida atenção por parte dos treinadores.

          Segundo Zakharov "é conveniente começar o aquecimento para as competições com 40 minutos até uma hora e 20 minutos de antecedência" (Zakharov, 1992, p. 240). O mesmo autor também refere que o intervalo ótimo de prontidão para o início da atividade principal não deve ser superior a 15 minutos após o aquecimento. Deve-se levar em consideração também que o atleta necessita recuperar-se por completo após o término do aquecimento e ainda que "o sentimento subjetivo que o desportista tem durante o aquecimento e após o fim deste constitui o principal critério de prontidão do desportista para a partida." (Zakharov, 1992, p. 240).

          Finalizando, após o encerramento do aquecimento, parece ser importante que não ocorram perdas de calor. Os atletas devem vestir seus agasalhos, meias e até toalhas em torno do pescoço de forma a manterem por mais tempo o estado atingido. Dependendo da temperatura ambiente esses cuidados são essenciais entre os combates e a utilização de luvas e gorros são muito recomendáveis pois as perdas de calor ocorrem principalmente pelas extremidades. Sugere-se que os atletas bebam líquidos isotônicos após o aquecimento e entre os combates de forma a evitar a desidratação e perdas de sais minerais.

Matéria  feita pelo prof.Alexandre Velí Nunes, tirada do site www.judobrasil.com.br.